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Parecer departamento jurídico – Ministério Público

Cenário 1:
Qual a conduta frente a intimação via E-mail do Ministério Público para preenchimento de relatório médico, não prevendo cobrança de honorário médico, sobre solicitação de medicamento não fornecido pelo SUS, por parte de paciente do próprio médico, atendido em consulta médica em seu consultório particular.

O Ministério Público, nos termos do artigo 127 da Constituição, tem como função constitucional “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, e goza de independência funcional relativa à instituição e a seus membros no que tange ao desempenho de atribuições consideradas essenciais à função jurisdicional do Estado.

No contexto de seu papel institucional, destaca-se o de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CRFB, artigo 129, III)”.

Para resguardar a autoridade das requisições ministeriais e, em última instância, a celeridade e efetividade da própria tutela jurisdicional dos direitos que são objeto da ação civil pública, o legislador estabeleceu consequências para o não atendimento às requisições do MP.

Excepcionadas as situações em que a lei impuser sigilo às informações requeridas – caso em que estas deverão ser prestadas mediante requisição judicial (Lei nº 7.347/1.985, artigo 8º, parágrafo 2º) – ou aquelas em que a documentação requisitada possa conduzir à autoincriminação, não deve o requerido furtar-se a prestá-las, sob pena de, diante de determinadas circunstâncias, incorrer na prática de crime 2.

Via de regra, nos parece que apesar de estar o médico assim como todo cidadão submetido a Lei 7.347/1985, tem o mesmo a obrigação de observar todas as questões pertinentes ao sigilo médico e nada (a não ser determinação judicial) pode obrigá-lo a expor o seu paciente.

Mas quando em jogo a coletividade e o interesse público pela prescrição de medicamento de alto custo a ser financiado pelo poder público, não é possível basear-se o não fornecimento de informações somente no sigilo médico. Neste caso também não poderá ser considerado em primeiro plano a questão dos honorários.

Assim quando tratar-se de medicamento de alto custo não fornecido pelo SUS, pleiteado judicialmente e não incluído nos protocolos do Ministério da Saúde, poderá o ato médico ser interpretado como de interesse público, sendo crível que ao prescrever tais medicamentos a conduta correta seja sim a da justificativa com base em protocolos científicos, visto que seu ato pode ser questionado posteriormente. Ressalte-se que não se pode confundir justificativa com o preenchimento de relatórios ou questionamentos que não sejam especificamente ligados a isso.

O artigo 1º da resolução 1958/2010 do CFM3, define consulta médica como ato médico descrevendo suas diversas fases:

“Art. 1º Definir que a consulta médica compreende a anamnese, o exame físico e a elaboração de hipóteses ou conclusões diagnósticas, solicitação de exames  complementares, quando necessários, e prescrição terapêutica como ato médico completo e que pode ser concluído ou não em um único momento.”

Assim, SMJ, ao contrário da afirmação contida no Enunciado acima, a prescrição terapêutica é parte da consulta médica e traz implícita, quando necessário, a sua justificativa científica. Nesta esteira, pode a prescrição em si ser objeto de questionamento  ético, civil e criminal.

A questão dos honorários é secundária, uma vez que os valores da consulta médica são ajustados em função de livre negociação entre as partes (médico e paciente), cabendo ao primeiro fazer o seu preço e ao segundo aceitá-lo e pagá-lo. Isso não impede de que nos casos em que houver alteração ou necessidade de repetição de uma das fases definidas no art.1º da Resolução do CFM 1958/2010 acima, seja possível a cobrança de nova consulta.

Cenário 2:
Segundo a definição de consulta médica do CRM, esta não contempla preenchimento de relatórios médicos justificando porque este ou aquele medicamento, ou porque não se optou por medicamento fornecido pelo SUS, ou se tal medicamento faz parte das Normas/Diretrizes do Ministério da Saúde, ou se aqueles fornecidos pelo SUS são ineficazes ou impróprios ao uso e porque, etc., como pede o relatório em questão. O relatório demanda tempo significativo para o seu preenchimento, requerendo até consulta às Normas/Diretrizes do Ministério da Saúde. Cabe repetir em parte o que já foi dito acima, ou seja, no nosso entendimento a justificativa científica da prescrição poderá ser perquirida, não estando excluído o dever do profissional médico em fazê-lo de forma expressa, na própria prescrição ou no prontuário do paciente.

Obviamente que esta conduta não implica na necessidade de explicar o porquê da não prescrição dos medicamentos fornecidos pelo SUS. Deve ter o profissional médico compromisso com o seu paciente, indicando o que é melhor e mais adequado para o seu tratamento, com base científica comprovada e através da medicina baseada em evidências.

Não tem obrigação de preencher relatórios, mas tem obrigação de justificar ao paciente o seu ato em sendo a prescrição parte da consulta médica. Tudo isso, consubstanciado também no amplo direito a informação que tem o paciente sobre o tratamento ao qual esta sendo submetido.

A forma como isso será executado não é o que mais importa, importando sim o conteúdo da informação solicitada e quem a solicita. Nesse sentido, não há possibilidade de imposição do Ministério Público ou de particulares de que o médico preencha relatórios com informações referentes ao paciente.

Cenário 2:
O paciente vem à consulta médica de rotina, trazendo o relatório médico em mãos, solicitando o preenchimento. É cabível a cobrança de honorários adicionais para este preenchimento?
Se o paciente for de plano de saúde, como proceder para cobrança destes honorários?

Se as informações solicitadas estiverem inclusas dentro do contexto e das obrigações relativas a consulta médica e ao dever que tem o médico de prestar esclarecimentos ao paciente, não poderá ser cobrado adicionalmente.

Caso contrário, poderá sim ser cobrado adicionalmente, pois se constituirá em outra consulta. A origem do paciente, se pertencente a plano de saúde ou não, é absolutamente irrelevante. Tal procedimento não inclui o preenchimento de relatórios solicitados por companhias seguradoras, o que é vedado pelo Conselho Federal de Medicina através do artigo 77 do Código de Ética Médica- CEM4 e da Resolução 2003/20125 do mesmo Conselho.

Cenário 3:
O paciente ou seu representante, vem ao consultório, trazendo o relatório em mãos e solicitando apenas o preenchimento do mesmo. Fere algum preceito a cobrança de honorários para este preenchimento?

Todos os esclarecimentos prestados, sejam eles escritos ou verbais, fazem parte do ato médico denominado consulta médica. Caso o fornecimento das informações esteja contida dentro da definição de consulta médica, poderá sim ser cobrado o valor de uma consulta médica.

Especificamente nos casos em que as informações sejam requeridas por companhias seguradoras, há de ser observado o disposto no artigo 77 do atual Código de Ética Médica – CEM e o artigo 1º da resolução 2003/2012 do Conselho Federal de Medicina, que veda ao médico prestar informações ou preencher relatórios nas seguintes situações:

“Art. 77. Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito” e “Art. 1º É vedado ao médico assistente o preenchimento de formulários elaborados por empresas seguradoras com informações acerca da assistência prestada a pacientes sob seus cuidados.”
Nesse caso específico o médico não está autorizado ao preenchimento, sob pena de incorrer em falta ética. Não se trata portando de cobrar ou não cobrar consulta e sim de vedação ética, o que elimina a possibilidade da prestação dos serviços nos casos previstos pelo CEM e pela Resolução citada.

Florianópolis, 06 de outubro de 2015.

Nilo de Oliveira Neto
OAB/SC 7715


1 Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.
§ 2º Somente nos casos em que a lei impuser sigilo, poderá ser negada certidão ou informação, hipótese em que a ação poderá ser proposta desacompanhada daqueles documentos, cabendo ao juiz requisitá-los.

2 Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.

3 RESOLUÇÃO CFM nº 1.958/2010 (Publicada no D.O.U. de 10 de janeiro de 2011, Seção I, p. 92)

RESOLUÇÃO CFM Nº1931/2009 (Publicada no D.O.U. de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90) (Retificação publicada no D.O.U. de 13 de outubro de 2009, Seção I, p.173)

5 RESOLUÇÃO CFM Nº 2.003/2012 (Publicada no D.O.U. 14 dez. 2012. Seção I, p. 255) Revoga a Resolução CFM nº 1.076/19