A reprodução assistida, conjunto de técnicas que inclui a inseminação artificial e a fertilização in vitro, chegou ao Brasil em 1982. Passados 31 nos, lamentavelmente, tais procedimentos seguem inacessíveis aos pacientes no sistema de saúde suplementar, a despeito de a legislação determinar a cobertura por parte dos planos de saúde. Assim, inúmeros casais veem frustrado o sonho de ter filhos.
No Brasil, aliás, estima-se, de forma subestimada, que mais de 278 mil casais tenham dificuldade para gerar uma criança em algum momento de sua idade fértil. Temos apenas 8 serviços que realizam tratamentos no Sistema Único de Saúde, atendendo a dois mil casos ao ano. O tempo de espera é tão grande que, na prática, condena milhares de casais acometidos por infertilidade a nunca terem filhos.
“A estimativa é que até 15% dos casais no país sejam inférteis, mas esta porcentagem varia de acordo com o local e a população em questão. No continente africano, essa porcentagem vai a 30% ou 35%. Na Europa, cerca de 10%. Fator muito importante para avaliar esses dados são as doenças sexualmente transmissíveis, que levam a infecções responsáveis por obstruir as trompas e inviabilizar a gestação. Em populações socioeconômicas menos favorecidas, sem acesso a abordagens adequadas para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), com maior suscetibilidade de abortamento provocado por condições impróprias de saúde, a taxa de fertilidade é expressivamente menor”, informa Newton Busso, membro da Sociedade Paulista de Medicina Reprodutiva (SPMR) e presidente da Comissão Nacional Especializada em Reprodução Humana da Febrasgo.
Diante da dificuldade de acesso aos tratamentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, casais com problema de infertilidade recorrem à rede suplementar e se deparam com a falta de cobertura por parte dos planos e operadoras de saúde.
Neste contexto, torna-se evidente a ambivalência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ela é no mínimo omissa ao não garantir a inclusão dos tratamentos para infertilidade no rol de procedimentos dos planos de saúde, Afinal, a Constituição Federal determina como direito do cidadão e dever do Estado garantir a saúde da população. E a infertilidade conjugal é classificada como doença (N97 – Infertilidade feminina, e N98 – Complicações associadas à fecundação artificial na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde da Organização Pan-americana de Saúde e da Organização Mundial da Saúde).
Ao contrário, para decepção dos casais que necessitam de tratamento para a infertilidade, a ANS, por meio de Resolução Normativa (RN nº 211, de 11 de Janeiro de 2010), determinou que as técnicas de reprodução assistida não sejam de cobertura obrigatória pelos convênios.
De fato, a Agência parece caminhar na contramão. Chegamos a tal percepção se voltarmos um pouco no tempo, para o dia 12 de maio de 2009, quando foi sancionada a lei 11.935, que altera o art. 36-C da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Assinada pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a nova lei determina a cobertura do atendimento nos casos de planejamento familiar pelas operadoras.
A homologação aconteceu poucos dias antes da publicação da Resolução Normativa da ANS que exclui inseminação artificial – entendida como “técnica de reprodução assistida que inclui a manipulação de oócitos e esperma para alcançar a fertilização, por meio de injeções de esperma intracitoplasmáticas, transferência intrafalopiana de gameta, doação de oócitos, indução da ovulação, concepção póstuma, recuperação espermática ou transferência intratubária do zigoto, entre outras técnicas” (trecho extraído da Resolução Normativa da ANS, art. 16, §1º).
Ou seja, contrariando a sanção presidencial, a ANS, em 27 de maio de 2009, por meio da Resolução nº 192, alegou que “a inseminação artificial e o fornecimento de medicamentos de uso domiciliar não são de cobertura obrigatória”.
“Logicamente, as empresas de saúde privada acabam por optar pela regra que mais lhes convém, negando o acesso a seus usuários, restringindo a cobertura apenas aos métodos contraceptivos como o DIU, a laqueadura e a vasectomia”, afirma Busso.
Poder público
Muito antes das tentativas, mencionadas acima, de regularizar o acesso da medicina reprodutiva no país, em 2005, foi aprovada a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida. Poucos meses depois, a portaria que regulamentava o programa (Portaria SAS nº 388, de 6 de julho de 2005) foi suspensa.
Restam à população, portanto, as opções de reprodução assistida ofertadas pelo SUS, infelizmente ainda muito restritas. No Estado de São Paulo, por exemplo, há o Centro de Referência da Saúde da Mulher Hospital Pérola Byington, que oferece tratamentos de fertilização a partir do núcleo de Reprodução Humana. Há, também, o Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); o Hospital das Clínicas de São Paulo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (USP) e a Santa Casa de Misericórdia, entidade filantrópica. Todas as instituições financiadas pelo governo estadual, e não pela esfera federal.
Corrida contra o tempo
A procura por um tratamento para infertilidade em instituições públicas é marcado por filas de espera que chegam a durar anos, visto que os serviços não comportam a demanda. A situação seria preocupante por si só, mas há de se considerar que a idade é um fator absolutamente determinante, explica Busso.
À medida que o tempo passa, a fertilidade da mulher é reduzida. Este processo se intensifica a partir dos 35 anos de idade. Baseado nisso, o Conselho Federal de Medicina estabeleceu algumas normas para fertilização: a partir dos 40 anos da idade, podem ser introduzidos até quatro embriões; entre 36 e 39 anos, três; e até 35 anos, o limite são dois embriões. “É uma tentativa de compensar o déficit que aumenta progressivamente com o passar dos anos.”
Caso a opção seja por clínicas particulares especializadas em reprodução assistida, o grande obstáculo é o alto-custo dos procedimentos.
Diante da falta de opção a grande parte dos casais, que não têm tempo para aguardar a fila de espera pública, tampouco condições financeiras para optar pelo tratamento particular, as sociedades médicas se mobilizam para colocar em debate esse tema, sensibilizando a opinião pública por meio da exposição do problema, que atinge milhares de casais brasileiros com dificuldades para gerar um filho, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Exemplos bem sucedidos de universalização dos tratamentos para a infertilidade não nos faltam, revela dr. Newton, apontando para a postura de amparo assistencial de governos não apenas em países desenvolvidos, mas também em vizinhos sul-americanos, como o Chile ou a Argentina.
“Essa questão vai além da saúde reprodutiva e se estende às esferas física, social e psicológica. É imprescindível que os planos de saúde atendam, também, às repercussões decorrentes das complicações associadas à fecundação, compreendendo que esta questão pode interferir de forma importante no bem-estar físico e psicológico das pessoas.”
Fonte: AMB
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