Recebemos indagações diárias de médicos sobre as Declarações de Óbito em casos relacionados à COVID-19. A razão disso está na circulação de notícias bastante alarmistas sobre o assunto, a exemplo do post abaixo:
Em primeiro lugar, a afirmação “ Jamais eu colocaria no atestado de óbito COVID-19 sem a confirmação laboratorial ” traz consigo uma conotação imprecisa sobre o agir médico diante dos óbitos relacionados à pandemia.
Explica-se: quando o diagnóstico for compatível com a COVID-19 e o óbito tiver associação provável à doença (síndrome gripal – SG e síndrome respiratória aguda grave SRAG), ou ainda quando confirmado por critério clínico-epidemiológico sem o exame laboratorial, não basta simplesmente ignorar a correlação do óbito com a doença, mas devem ser seguidos alguns protocolos, como será discutido a seguir.
O Ministério da Saúde tem endereçado diversas publicações aos profissionais de saúde e alguns Conselhos e autoridades públicas têm normatizado a matéria, cujo conteúdo traz um norte às condutas médicas em cenário tão atípico. O Guia de Vigilância Epidemiológica define como casos suspeitos aqueles que apresentam SG ou SRAG e casos confirmados por critério laboratorial ou critério clínico-epidemiológico, sendo este último aplicável a paciente com “ histórico de contato próximo ou domiciliar, nos últimos 7 dias antes do aparecimento dos sintomas, com caso confirmado laboratorialmente para COVID-19 e para o qual não foi possível realizar a investigação laboratorial específica ”.
Na mesma cartilha, ainda consta a recomendação de que óbitos suspeitos devem ser notificados à Vigilância Epidemiológica: “ Óbitos suspeitos, independente de internação, devem ser notificados no Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) As orientações sobre o preenchimento e a emissão da Declaração de Óbito estão disponíveis no documento “
Por outro lado, o Manejo de Corpos no Contexto do Coronavírus Covid 19 determina que (i) caso a coleta de material biológico não tenha sido realizada em vida, deve-se proceder a coleta post-mortem no serviço de saúde, por meio de swab na cavidade nasal e de orofaringe, para posterior investigação pela equipe de vigilância local; e (ii) O sistema de vigilância epidemiológica local também deve tomar conhecimento quando a causa da morte for inconclusiva ou descartada para COVID-19.
Já a Portaria Conjunta do MS (Ministério da Saúde) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) prevê procedimentos excepcionais para tempos de pandemia, tais como a possibilidade de encaminhar corpos à coordenação cemiterial do município, sem prévia lavratura do registro civil de óbito, quando da ausência de familiares ou de pessoas conhecidas do obituado. Aos registradores civis, na eventualidade de morte por doença respiratória suspeita para COVID-19 não confirmada por exames, deve vir acompanhada de Declaração de Óbito com descrição de “provável para COVID-19” ou “suspeito para COVID-19”.
Portanto, a premissa definida nos protocolos é de que o teste deve obrigatoriamente ser realizado em todos os pacientes que vierem à óbito com suspeita de COVID-19, bem como a notificação da vigilância epidemiológica local. Porém, aos pacientes com morte por doença respiratória, sem confirmação por exames, poderá ser consignada como causa básica de morte, isto é, a causa ou circunstância que iniciou a cadeia de eventos mórbidos, a descrição “provável para COVID-19”, “suspeita para COVID-19” ou ainda, de forma mais prudente, “Morte a esclarecer – aguarda exames”.
A alternativa é razoável, uma vez que não há como desconsiderar o contexto de escassez de testes laboratoriais e de provável saturação ou colapso do sistema de saúde em épocas de pico da pandemia, que conjuntamente impõem uma condição incomum para se atestar óbitos e proceder com sepultamentos, o que inclusive motivou a criação das recomendações da Portaria Conjunta 01/2020 com procedimentos excepcionais.
A conclusão mais razoável, portanto, traz uma diferença sutil em relação às recomendações estampadas em posts que têm circulado nas redes, de modo que não bastaria simplesmente deixar de atestar COVID-19 por excesso de precaução, mas sim seguir as condutas preconizadas nos protocolos, de modo que: (i) o teste laboratorial e a notificação são obrigatórios em suspeita de casos de COVID-19; (ii) caso não disponha de teste laboratorial, o médico deve observar se está diante de caso suspeito ou caso confirmado por critério clínico-epidemiológico e, a partir daí, atestar conforme o diagnóstico, indicando na descrição a doença, ou ainda “suspeita de COVID-19” ou “provável para COVID-19”, a exemplo e por similitude do já previsto na portaria conjunta MS/CNJ 01/2020), ou ainda “Morte a esclarecer – Aguarda Exames”, como sugere Resolução do CREMERS (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul) . Além, claro, de outras possibilidades a serem declaradas de forma concomitantes como causas imediatas e intermediárias, tal como SRAG e outros sinais e sintomas constatados de forma detalhada.
O segundo ponto que tem suscitado questionamentos refere-se à afirmação de uma possível responsabilização dos médicos em ação movida por familiares por negativa securitária, caso o exame laboratorial venha a contrariar diagnóstico de óbito por COVID-19.
Uma interpretação sistemática de doutrina e jurisprudência da Responsabilidade Civil em casos de erro médico podem iluminar a questão e trazer perspectivas mais realistas e menos alarmistas sobre como seria o desdobramento desses casos ao serem levados ao Poder Judiciário.
A responsabilização do médico, que responde por culpa subjetiva (Art. 14, §4, do Código de Defesa do Consumidor; 186 e 927 do Código Civil), passaria necessariamente pela constatação de um ato culposo ligado a um “erro de diagnóstico” ou até a uma negligência, imprudência ou imperícia no ato da declaração do óbito, cujo nexo causal se estabeleceria com a perda de chance da família em usufruir da cobertura securitária. Para tanto, em apertadíssima síntese, seria necessária a comprovação de um erro crasso ou um ato médico fora dos padrões e dissociado da literatura médica.
Como há um protocolo definido especificamente para os diagnósticos e diversas recomendações oficiais sobre como atestar os óbitos relacionadas à COVID-19, é patente que a responsabilização pessoal do médico passa pela violação desses protocolos e da legislação pertinente (Resolução nº 1.779/2005 do CFM – Conselho Federal de Medicina, Normas Técnicas do Ministério da Saúde e CFM e outros).
Para arrematar, voltemos às recomendações iniciais. Portanto, se o médico seguir os protocolos, isto é, encaminhar para teste e notificação os casos suspeitos e atestar a causa básica como “provável”, “suspeitos” ou “morte a esclarecer – aguarda exames” os casos sem confirmação laboratorial, quando diagnóstico clínico permitir, quais as chances deste ser responsabilizado?
Ao levar em conta o contexto e as posições dominantes nos Tribunais em matéria de Responsabilidade Civil, as chances de responsabilização se revelam remotas, pois uma vez seguido o protocolo não há razão para responsabilizar o médico, ainda que um diagnóstico de suspeito ou provável venha a ser revertido. Do contrário, estar-se-ia a exigir uma exatidão incompatível com a medicina e uma rigidez inconciliável com o período emergencial de pandemia em que vivemos, e pior, a colocar ainda mais insegurança sobre aqueles que mais se arriscam nos campos de batalha contra o vírus durante o exercício de seus nobres ofícios, os médicos.
Florianópolis, 15 de abril de 2020.
Coelho & Oliveira Neto Advocacia e Consultoria Jurídica
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